• “A alma não se rende ao desespero sem haver esgotado todas as ilusões”
  • # Décimo -

    terça-feira

    # Sofia Van e o Diabo - Capítulo 01


    Eu queria não sentir o que eu senti, quando eu a conheci. Eu queria não ter sido banido do reino dos céus, ter compreendido Deus, porque só então, talvez, tudo entre mim e ela seria mais fácil. Eu ainda seria uma figura que representa o bem, um anjo. O regente da orquestra de Deus.
    Como posso eu, a milhares de anos atrás, ter ido contra a vontade de Deus? Mas não posso me arrepender dos meus motivos. Eu jamais me curvaria aos humanos. Mas se eu tivesse conhecido Sofia antes, talvez eu tivesse não só me curvado, mas, amado todos eles, conforme Deus ordenara.
    Eu não conseguia sentir amor por uma raça tão inferior... Eles viviam apenas de felicidade, apenas de viver. Eu quis lhe dar um pouco de razão para as suas vidas, um pouco de sabedoria para quem sabe eu pudesse amá-los. Seria como um amigo seu, lhe pedir para amar o gato dele. Por mais que você dissesse da boca pra fora que o ama, não amaria.
    Eu não consegui amar os humanos quando Deus mandou. E quando eu lhes dei do fruto proibido, eu achei que eles fariam bom proveito. Que talvez eu pudesse manter qualquer tipo de relação e me redimir a Deus. Mas os humanos usaram a sabedoria para impor guerras, usaram do nome de Deus para justificar o poder que tinham. Não posso mentir que retirante as razões as quais Deus me baniu, eu não o odeio tanto assim, eu até o admiro bastante. Foi por isso que eu confundi a cabeça dos humanos... Para ver quais aqueles são dignos realmente do amor de Emanuel. Eu os induzi á várias crenças, a várias línguas, a várias guerras. Mas Emanuel ainda não entende meus motivos. Ainda os ama.
    Séculos após séculos, mais anjos foram caindo. Mais anjos foram se aderindo a meu exército. Sei que uma longa guerra será travada. Eu gostaria que não houvesse. Mas quando eu caí, eu passei a ter sentimentos, emoções as quais eu não tinha antes no céu... E a única coisa que me vem na cabeça é um ódio tremendo.
    Não me arrependo do mal que faço aos humanos, se eles amassem mesmo a Deus do jeito que Deus os ama. Sequer se queixariam das dores, dos problemas, causados por mim.
    Mas, foi aí que Sofia nasceu. E meu mundo foi totalmente abalado pela sua existência. Não sei explicar, mas quando ela nasceu, eu senti que algo muito bom estava por vir. Foi quase que a mesma sensação que Deus deve ter sentido quando Jesus nasceu. Mas ela não era o meu anticristo.
    Quando eu era anjo tinha a lei do purificado. Purificado era quando uma pessoa nascia e o nosso cotidiano era abalado por ela, e a gente sentia sua energia radiando do mundo, e a gente tinha que descer e procurar de onde vinha essa energia e dedicar toda a nossa vida para a proteção dessa pessoa.
    Mas eu não era mais anjo, como eu ainda sentia aquilo? Era muito estranho, era como se algum vestígio de anjo tivesse sobrado em mim. Mas Deus não deixaria que isso sobrasse, Emanuel é perfeito. Então como podia? Eu me neguei a seguir o purificado por anos. Até que um dia, quando eu passava pela região sul do mundo, a energia ficava cada vez mais forte e irresistível a vontade de procurar o que era, quem era e o porquê daquilo...
    Foi então que parece que por destino ou coincidência, Eu passei justamente por onde irradiava tanta energia chamativa e atrativa. Eu perguntei para Elias, o segundo anjo que caiu após a mim, se ele sentia algo, e ele me disse que não. Com uma baita curiosidade, MALDITA CURIOSIDADE, eu resolvi entrar na casa a qual aos meus olhos, saía uma luz branca muito forte.

    Existem leis. Não é porque Emanuel e eu tínhamos brigado que não mantínhamos acordos. Acordos de coexistência pacífica. Eu só poderia entrar nos lares, ao qual a pessoa permitisse a minha entrada. Como ela permitiria? No ato exato de um pecado capital. Em rituais de magia negra, ou com pensamentos imundos, ruins, malignos.
    Foi então, que eu fiquei parado na porta, vendo se havia alguma barreira que me impedisse de entrar, mas não havia. E eu entrei na casa... Passei pela porta como se não houvesse porta. Segui para o quarto onde aparentemente seria o foco de tanta luz.
    Na cama, repousava suavemente Sofia. Com certeza haveriam de existir humanas lindíssimas e Sofia não se encaixaria nesse grupo. Mas até que era uma humana bonitinha. Fiquei pensando como uma pessoa repousando em um sono tão profundo pode ter permitido o diabo entrar na sua casa. Resolvi investigar o seu sonho.
    Coloquei a mão em sua cabeça e fechei os olhos. Vi-me em seu sonho... Era noite e ela caminhava na praia. Lua cheia. Apenas caminhava em direção ao mar. Algumas vezes desesperada, pois era como se seus pés estivessem em uma esteira, ou como se andasse em superfície perfeitamente lisa sem atrito que não a permitisse que se locomovesse por mais que andasse, pois ela dava muitos passos e não chegava sequer a se mover para onde a água tocava o solo. ”
    Então eu cheguei, e olhei pra ela. E o sonho dela se interrompeu. Ela olhou assustada para mim e disse:
    - Quem é você?
    - Eu? – perguntei duvidoso por ela conseguir me ver em seu sonho.
    - Sim, você. O que faz aqui nessa praia à uma hora dessas? E afinal qual o problema dessa praia, é ilusão de ótica ou o que? Faz tempo que tento chegar ao mar, mas não consigo...
    - É que essa praia é minha – tentei seguir o sonho, para não ser um choque pra ela... Para que ela não acordasse. - E só entra no mar quem eu permito que entre.
    - É? E o que é preciso fazer para entrar nesse mar? Eu não sabia que você era dono do mar, podia ser até o dono da praia, mas do mar? Porque não me deixar entrar? Ficou aí me observando, vendo meu esforço e sequer se mexeu para ordenar a sua terra que me levasse ao mar?
    - Você faz perguntas demais. Cale-te. Eu que devo fazer perguntas. O que faz você aqui na minha praia á uma hora dessas?
    - Pra falar a verdade eu não sei... Na verdade...
    Enquanto ela ia contando que estava na casa da avó e apenas queria chegar ao shopping, para assistir um filme de terror, com seu namorado... Todo o lugar foi se modificando e sendo alterado para uma casa...
    - Está vendo? Agora eu estou atrasada, ainda estou aqui na casa de minha avó... Eu tenho que ir.
    - Não, você não vai!
    - Claro que vou... - saiu andando em direção a porta e foi sumindo.
    “Então o sonho acabou, e ela acordou. Quando abriram os olhos dela, eu estava parado á sua frente com a mão em sua cabeça. Ela deu um grito desesperado. Então, eu fechei os olhos calmamente e fiz com que ela dormisse novamente.
    Fiquei a olhando, por um tempo. Em minha cabeça só se passava um pensamento como ela podia ter me visto? Ninguém pode me ver a menos que me evoque, a menos que eu queira me aparecer, e eu não havia permitido que ela me visse.
    Esperei até que fosse de manhã. Eu iria cruzar o seu caminho e estabelecer comunicação com aquela humana. A manhã chegou e meus soldados me perguntaram o que eu estava fazendo ainda ali. Eu os ordenei que seguissem sem mim, que depois nos encontraríamos no inferno, que eu tinha que resolver umas coisas pessoais e que por enquanto Elias estaria no comando.
    Eram oito horas da manhã, quando Sofia pôs seu rosto na rua, olhou pros dois lados, trancou a porta de sua casa e seguiu. Eu sempre atrás, um pouco distante, fui a seguindo. Até que ela entrou em uma faculdade, devia ser estudante de algum curso.  Fiz todos ali acreditar que eu também era um estudante. Tomei minha forma humana. Entrei em sua sala e me sentei próximo...
    Resolvi tomar uma iniciativa, afinal o que se passava comigo? Eu era o Diabo, permiti que todo mundo ali me visse, e eu poderia destruir todos num piscar de olhos. Então porque me dava borboletas na barriga em pensar em chegar perto dela?”
    Foi então que eu tomei coragem, me aproximei e falei o óbvio.
    - Bom dia... Posso me sentar ao seu lado... Sou novato. – O Diabo falando uma coisa dessas, quem diria. –
    - Bom dia, pode sim. Sabe tenho a impressão que te conheço...
    Na hora eu fiquei imaginando que só podia ser porque na noite anterior ela me viu com a mão na sua cabeça.
    - É eu tenho um rosto bem comum.
    - E bem bonito. – ela deu um meio sorriso no rosto e eu retribuí. Não por eu ter me importado com o que ela disse, mas porque eu tinha que agir como um humano normal. Eu acho... –
    “Incrível naquele dia teve aula de psicologia, a primeira do ano. E a aula era para fazermos dupla com alguém para nos conhecermos melhor. Logo vi que devia fazer pouquíssimo tempo que o curso havia começado.”
    - Então... Aonde você nasceu? Você acredita em Deus? E a sua fé? O que você faz da vida? Faz algo de especial... Algum segredo? – eu estava apenas querendo entender e sair dali o mais rápido o possível, ficar muito próximo de humanos me enojava. -
    - Bom, acho que vou começar do meu jeito... Meu nome é Sofia e o seu?
    - Lucif... Ilho... Lucifilho. – por pouco eu não disse que era Lúcifer. -
    -Lucifilho?
    - É!
    - Que nome exótico. Meu nome é Sofia. E o que você faz da vida?
    - Trabalho com relações humanas. – em partes eu não menti. –
    - Legal, eu trabalho depois das três em uma loja de vídeo games.
    - Parece interessante...
    - Na verdade, não. Nem é o que eu queria pra mim. Todas as noites eu peço a Deus que me dê outro emprego. Mas acho que ele não gosta muito de mim. – Sorriu. –
    - Mas é claro que ele gosta muito de você.
    - Então o diabo me ama... Por que...
    - Como assim o diabo te ama? O Diabo minha cara não ama humanos, tire isso da sua cabeça de vento! – Falei bastante ofendido após aquela declaração.
    - Era só uma expressão...
    - Desculpe, é que eu sou... Muito... Religioso. E você?
    - Nem tanto, às vezes eu penso que Deus não existe ,que céu não existe e que se tudo isso existe não é muito favorável pra minha vida.
    - Você devia parar de se queixar tanto. – Falei a olhando fixamente. – Deus...
    -Porque eu devo? Só porque você tem uma vida a qual não tem nada a se queixar? Á qual nenhuma força atrapalha a sua vida? Dane-se você e suas teorias, você não pode dizer pra mim o que sentir, eu sinto o que eu quero. E eu não me queixo. Não me queixo de nada. Nem de você ter aparecido na minha vida, nem de você ter me seguido desde a rua lá de casa até aqui na faculdade, nem de eu nunca ter te visto e todo mundo aqui te conhecer... Não tenho culpa se você deve ser um menino popular, riquinho e mimado que fica se esquisofrenando com as meninas que julga retardadas para tirar uma com a cara delas. Quer saber, se exploda! – se levantou e saiu da sala muito enfurecida. –
    Como é que é? Quem ela pensa que é pra gritar comigo e sair daquele jeito arrogante? Se ela soubesse quem eu sou jamais faria aquilo. Logo fui atrás dela. Não precisei procurar por muito tempo, pois, ela é minha purificada.
    “Encontrei-a sentada em um banco, ainda muito irritada. Antes de ir até ela, hesitei. Ela irritada sentada naquele banco, com um olhar pensativo... Chegava a ser fascinante, para eu admirá-la. Admirar uma humana? Onde eu estava com a cabeça? Mas era muito fascinante era como se ela fosse uma pessoa incrível. Ela usava um vestido curto azul, eu nunca vou me esquecer... Nem do seu cabelo trançado, que tocava aqueles belos ombros. E seus olhos atenciosos no que pensava. E me deixava louco pra ter a atenção deles.”
    - Sofia, qual o seu problema? Eu apenas queria fazer o trabalho da faculdade e você se revolta assim e sái. Quem você pensa que é pra dizer que eu sou tudo isso que você disse? Fique sabendo que eu não sou! E que você me ofendeu muito! Eu nem sei na verdade o porquê de eu ainda estar aqui perdendo tempo com você...
    - Desculpe...
    - Desculpe uma ova,... – prestei atenção no que ela disse... E então raciocinei- Desculpas? Não entendi.
    - É que eu estou muito irritada, acho que também sou um pouco paranóica, de achar que você estava me seguindo. É que ultimamente andam aparecendo uns homens estranhos... Que vem me falar de Deus e religião, acho que eu estou com um imã disso, então quando você começou com aquele papo, eu me irritei... Desculpe-me.
    - Ah. Tudo bem. Eu te desculpo. Mas que homens são esses que estão te seguindo? Que coisa mais estranha não é mesmo. - Perguntei muito curioso, pois homens que seguem mulheres e ficam falando de Deus, e que ela ainda acha que são filhinhos de papai, naquela hora só me veio na cabeça: Anjos de Deus. -
    - Seus olhos me deixam assustada...
    - Meus olhos? – por que ela não me respondia logo e acabava logo com aquilo? Ela tinha que mudar de assunto, humanas... – Não há nada de errado com eles...
    - Há sim, eles são maldosos.
     “ Lembrei-me que tinha um compromisso no inferno, receber os recém novos soldados...”
    - Olha façamos assim, eu tenho que ir... Mas de noite eu gostaria de sair com você para eu – quase confessei que só queria saber por que ela era minha espécie de purificada. – Para nós, nos conhecermos melhor, tudo bem?
    - E como iremos nos encontrar?
    -Não se preocupe com isso, apenas esteja na praça do centro da cidade ás sete horas, eu te levo de carro para um lugar pra gente comer algo. – Confesso que estava até eufórico, meu primeiro encontro de toda a existência... -